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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

O DIA DA IMORTALIDADE TRICOLOR

Há exatos cinco anos, em um sábado ensolarado cá, em Porto Alegre, e acolá, em Recife, perto do entardecer do dia, entre às 16h e 19h para ser mais específico, o torcedor gremista, os milhões que assistiam pela televisão ou os poucos que cruzaram o país rumo ao estádio que definiria o futuro do Grêmio, seja a glória ou o fundo do poço, viveu intensamente, com os mais variados sentimentos, as três horas do jogo mais tenso da história do clube.

O fato daquele jogo, Grêmio versus Náutico, ser o último do ano, onde a derrota significaria 365 dias de planejamento jogados no lixo e a temporada perdida, por si só, já levava os gremistas a uma alta tensão. Um insucesso deixaria o tricolor gaúcho penando mais um ano na Série B, falido, com pilhas e pilhas de dívidas, sem recursos para investir em mais um recomeço e como diziam dirigentes na semana de véspera da partida, "corremos o risco de fechar o clube". Muito estava em jogo.

As conquistas tricolores sempre tiveram certa dose de sofrimento. Mas em 26 de novembro de 2005, nada parecido e nem perto havia acontecido. Não com o Grêmio, muito menos na história do futebol.

Começou pelo clima de adversidade entre gaúchos e pernambucanos. O tricolor era inimigo, que necessitou refugiar-se quilômetros de distância da capital Recife, estado de Pernambuco. Nas arquibancadas do estádio predestinado a sediar aquela partida, o ESTÁDIO DOS AFLITOS, se viam torcedores locais tremulando bandeiras do Estado e debochando os poucos gaúchos com gritos de "Ah! Eu sou Pernambuco" ou outros que não convém citar.

O vestiário gremista era pequeno, com sirenes instaladas no alto - que não paravam de soar - e cheiro de tinta fresca no ar. A equipe de Mano Menezes fora proibida de aquecer no campo, nem os goleiros obtiveram permissão para tanto. Em razão disso, o jogo atrasou. A bola já rolava perto dali, no Arrudão, onde Santa Cruz e Portuguesa disputavam a outra vaga à Série A. Uma cidade, dois jogos e quatro destinos.

Do quadrangular, era o Grêmio que mais perderia com a não classificação para a primeira divisão nacional. Para os outros, Náutico, Portuguesa e Santa Cruz, a segunda divisão é algo costumeiro em suas histórias (o primeiro ficará por lá mais um ano, o segundo luta na última rodada - neste sábado - da Série B para voltar à elite do futebol brasileiro em 2011 e o terceiro amarga a Série D). O tricolor gaúcho, definitivamente, tinha muito mais a perder. O inferno da segunda divisão não é lugar para um multicampeão.

Galatto, Patrício, Pereira, Domingos, Escalona, Nunes, Sandro Goiano, Marcelo Costa, Marcel, Lipatin e Ricardinho. De fato, a equipe comandada por Mano Menezes, que adentrou o campo naquela tarde de sábado, não era um primor e não passava confiança ao torcedor que acompanhava seja in loco ou pela televisão. Todo gremista sabia que, dificilmente, a vitória ou o empate ocorreria de forma tranquila. Todos tinham consciência que a classificação teria que vir na força e no peso da camisa azul, preta e branca, e, obviamente, na raça, pois na técnica e qualidade não teria como. Afinal, quem poderia dar esse toque estava no banco, Anderson. Completavam os reservas Marcelo Grohe, Alessandro, Marcelo Oliveira, Lucas, Marco Aurélio "Jacozinho" e Samuel.

Toda a esperança estava depositada na mística da camisa tricolor. Na tal IMORTALIDADE, alcunha que até aquele dia se justificava pelos versos de Lupicínio Rodrigues e certas façanhas, mas que a partir do pós-jogo daquele 26 de novembro encontraria sua real razão de ser chamado de IMORTAL.

Quando a bola começou a rolar, passava das 16h15. Perto dali, a Portuguesa abriu o placar através de um pênalti. Permanecendo este placar no Arrudão, o Grêmio subia para a Série A até com derrota. Mas não se podia para confiar na equipe paulista. Com o apoio de 60 mil torcedores, o Santa Cruz virou em dois minutos, o que garantia sua vaga à primeira divisão, sem a necessidade de depender de outro resultado.

A tarefa do Grêmio voltou a ser segurar o empate ou buscar a vitória. Com o time acuado, sofrendo com a velocidade dos atacantes adversários, e com pouca produtividade no meio e ataque, a impressão de todo gremista era de que a estratégia era o empate. Caso contrário, não existia um Plano B. Aos 34 minutos, um corpo estendido no chão da área de Galatto. Pênalti assinalado, cometido por Domingos, estrelado por Paulo Matos. A equipe vai para cima do juiz Djalma Beltrami, que ainda teria seu momento de estrelato. Patrício tentava, em vão, interpretar o papel do atacante adversário. Se atirou no gramado, rolou, esperneou, mas não convenceu o jurado (o juiz).

O primeiro momento da aparição da IMORTALIDADE em 26 de novembro de 2005.

Apesar das reclamações, todos sabem, juiz não pode voltar atrás. O maior temor, provavelmente, dos jogadores e, consequentemente, dos torcedores, era que pelo andar da carruagem, na pouca mais de meia-hora de bola rolando, como uma equipe retrancada, em um estádio acanhado e com 20 mil ensandecidos torcedores contra iria encontrar forças para reagir, mesmo que para isso bastasse um gol de empate. Sair atrás do placar não era possível. Causaria um abatimento na equipe gremista, e o inverso no Náutico, a motivação do adversário o levaria a ampliar o placar.

O lateral-direito Bruno Carvalho foi para a cobrança. Galatto no gol, mas ainda não era o momento dele se tornar herói. No 1° tempo, deixe que a trave faça esse papel. E ela fez. Para incredulidade dos torcedores locais, que não tinham do que viria acontecer. O tricolor gaúcho estava vivo, mas até quando? O ataque adversário seguiu perdendo chances e nosso goleiro seguiu nos salvando. Faltas, escanteios, contra-ataques, o Grêmio não conseguia respirar. Mas enfim, o intervalo chega.

Novamente no vestiário ensurdecedor e empesteado, além de claustrofóbico, Mano Menezes orientou seus jogadores para 45 minutos, que se tornaram bem mais, decisivos. Permanecendo o 0x0 a missão estava cumprida.

A etapa complementar era a cópia da inicial. Equipe gremista atrás, esperando o Náutico e buscando em contra-ataques a glória. Mas as investidas eram raras, e chance clara de gol: nenhuma. Os sustos do adversário também eram esporádicos, porém, perigosos. Aos 30 minutos, a situação começou a complicar. Escalona, já advertido com cartão amarelo, colocou a mão na bola e foi expulso. Três minutos depois, Galatto saiu atabalhoado e ao tentar impedir o gol, cometeu pênalti no atacante Miltinho. O juiz nada marcou, passava a partir daquele instante a ser personagem destacado no jogo. No ataque seguinte, ele ganha a fama e centraliza, enfim, as atenções para si.

A bola foi chutada e encontrou o cotovelo colado no corpo de Nunes. Mas a cabeça de Djalma Beltrami ainda refletia a jogada anterior: foi pênalti ou não? A lei da compensação se fez presente. O juiz apontou para a marca do pênalti. Justo? Injusto? Isso não existe no futebol. Talvez nem na vida.

O segundo momento da aparição da IMORTALIDADE em 26 de novembro de 2005.

A confusão está estabelecida no campo de jogo. A segunda penalidade máxima foi marcada contra o Grêmio. No instinto de qualquer jogador, todos partem para cima do juiz. Patrício é o primeiro a chegar, e novamente em ato sem noção mas de puro gremismo - como ele mesmo disse: "naquele momento você não pensa, você age" -, peitou o juiz e levou o cartão vermelho. Mais um pênalti contra e dois jogadores a menos. O time se revoltou. Sandro Goiano, Domingos e Anderson são outros a chegar. Seguidos por toda a equipe, menos Galatto, cercaram o juiz.

No momento que a polícia de choque pernambucana invadia o gramado, para "restabelecer" a ordem, Djalma Beltrami peitou os jogadores, recuou, Nunes, o "autor" do pênalti, o puxou pela camisa e ele mostrou o terceiro cartão vermelho. Na invasão da polícia, Patrício foi agredido. O tumulto se acentuou, o jogo já estava paralisado. Logo, comissão técnica e reservas se juntam às reclamações feitas ao árbitro. Sem contar dirigente e ex-dirigente, Odone e Cacalo, lado a lado. A imprensa também estava no gramado. O Náutico somente aguardava. Sua torcida se divertia com a confusão. A certeza do acesso à Série A estava há minutos de se confirmar para eles.

Mais de 20 minutos se passaram. Em meio a isso, Marcel, substituído por Anderson, entrou no gramado e na marca do pênalti, passou a escavar como um tatu. Recebeu o cartão amarelo. Os ânimos se acalmavam, não sem antes Domingos tomar uma atitude impensável e tirar das maõs do juiz a bola, e ser o quarto expulso. Se fosse cobrado o pênalti, e ele convertido, jogaríamos em busca do gol de empate com sete jogadores contra um time completo do outro lado. Tamanha a impossibilidade disso acontecer, que torcedores gremistas já pensavam na equipe ter mais um expulso, o que faria o jogo ser suspenso, pois o regulamento proíbe um clube atuar com número inferior a sete jogadores, e a briga se estenderia na Justiça. O momento passava tudo pela cabeça do gremista: virada de mesa, tapetão e o escarcel.

Alheio a todo aquele clima, Galatto. A frieza do jovem goleiro passou tranquilidade ao técnico e ao presidente. O pênalti seria cobrado, pois os comandantes tinham a confiança necessária no arqueiro tricolor. Tudo é preparado. Somente os jogadores ficam em campo. Se na primeira cobrança, o time adversário escolheu seu lateral-direito. Na segunda, foi a vez do lateral-esquerdo Ademar. O atacante e ídolo do clube Kuki amarelou pela segunda vez.

O juiz autorizou, Ademar tomou pouca distância. Os pernambucanos se dão as mãos nas arquibancadas, ainda sorriem. O jogador correu em direção à bola e a chutou. Naquele mesmo instante, o Santa Cruz já comemorava sua classificação à Série A e já se proclamava campeão da competição, com direito à taça e volta olímpica. Pernambuco já em festa, à espera dela completa. Galatto se atira para o seu lado esquerdo, a bola rumou o meio do gol e a perna direita foi atingida. Ela subiu e foi para escanteio. Instantaneamente, Kuki caiu ao chão, o cobrador lamentou, Lucas correu em direção à Galatto e o abraçou, o restante da equipe gremista parecia não acreditar. Pela televisão, eram mostradas imagens do Arrudão em festa e do Aflitos em silêncio, incrédulo do que presenciava em campo. O sorriso de confiança passou ao beiço de decepção em um estalar de dedos.

Em seguida, a Avenida Goethe, em Porto Alegre, ganhou a tela. Os torcedores gremistas se jogavam ao chão ou corriam para todo lado. Mas existiam aqueles, que deixaram a festa de lado para ouvirem a razão. E ela dizia que restavam no mínimo dez minutos de bola rolando, com um Grêmio de sete jogadores contra um adversário completo. Como suportar uma possível pressão? A resposta veio em 71 segundos.

O terceiro momento da aparição da IMORTALIDADE em 26 de novembro de 2005.

O escanteio foi cobrado pelo Náutico logo após mais um pênalti não convertido. A equipe gremista retomou a bola, partiu para o ataque sob a tutela de Anderson que, em combinação com Marcelo Costa, chegou e cruzou a intermediária cavando uma falta. E a expulsão do zagueiro Batata. O adversário demonstrava um abatimento profundo. Ainda sim, ficaria em campo com dez jogadores contra sete. A superioridade era deles. Mas a IMORTALIDADE não.

Marcelo Costa cobrou a falta, aos berros de ordem de Mano Menezes. A bola foi lançada ao talento de Anderson, o toque de qualidade que faltava. O guri, camisa 17 às costas, carregou a bola, invadiu a área, limpou toda a zaga adversária e na saída do goleiro, com o lado interno do pé esquerdo, chutou no cantinho. Em 71 segundos, o Grêmio inverteu toda uma adversidade. INACREDITÁVEL, GRÊMIO 1x0. Mas foi real, o Brasil todo era testemunha ocular. Torcedores de Grêmio e Náutico, apreciadores do futebol nos quatro cantos do país, até as donas de casa que aguardavam o começo da novela das seis (passava das 18h os instantes finais do jogo) viram o que nunca mais verão.

Oito minutos depois, o juiz apitou final de jogo. O adversário não conseguiu em nenhum momento após o segundo pênalti perdido levar perigo. O Grêmio foi superior com sete homens em campo, contra um estádio e um Estado contra - à exceção dos torcedores do Sport Recife. Em meio a festa, cá no Rio Grande e lá no gramado dos Aflitos, em razão da volta do clube à Série A, a imprensa lembra que o Grêmio se tornara Campeão Brasileiro da Série B, coroando ainda mais aquela epopeia conhecida como BATALHA DOS AFLITOS.

No dia seguinte, o regresso dos heróis foi saudado por milhares de gremistas no aeroporto, pelas ruas da Capital até o Olímpico Monumental. Uma grande festa. Passados cinco anos, longe de querer estar vivendo momentos tensos como daquele 26 de novembro, mesmo podendo viver aquele final, a lembrança se faz necessária para o futuro. O feito épico, por todos os seus obstáculos, deve servir de lição e, creio, serviu. A IMORTALIDADE existe, em idas e vindas mostra a sua cara, mas pensar que ela sempre irá nos socorrer, é como brincar de roleta russa. Uma hora a brincadeira vira tragédia.

Parabéns aos dirigentes, comissão técnica e jogadores que participaram, do início ao fim, ou mesmo quem ficou pelo caminho ou agregou em meio à disputa, desta campanha que devolveu o Grêmio ao seu devido lugar. Parabéns à torcida, esta sim importante sempre.

Rodrigo Rodrigues
Blog Imortal Sonho

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